A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aumentou o rigor em relação a auditorias independentes em todas as frentes. Do lado da regulação, a autarquia abriu uma audiência pública, na semana passada, para renovar a norma que regula o setor. Na esfera sancionadora, também tem apertado o cerco, com mais processos e julgamentos. Na questão da fiscalização, a autoridade de mercado de capitais já deixou claro, em ofício divulgado no início do ano, que o descumprimento de normas como o programa de educação continuada pode se tornar alvo de processos sancionadores.
Bezerra, da CVM: quanto mais atualizado o profissional, mais independente ele será na execução do trabalho
Com a reforma da norma anunciada na semana passada, a CVM visa reduzir a exigência de documentos para a manutenção de registro e adotar requisitos voltados à qualidade e à confiabilidade do cadastro de auditores independentes. Se aprovadas, as propostas vão alterar a instrução 308, criada em 1999.
Entre as sugestões, está a de atuação exclusiva do profissional da área em uma única sociedade de auditoria. Isso porque, segundo o superintendente de normas contábeis e auditoria, José Carlos Bezerra, desde que a CVM estabeleceu o rodízio de auditores em 1999, tem-se observado tentativas de não cumprimento da regra. "Uma delas é com a participação de um mesmo sócio responsável técnico em mais de uma empresa de auditoria, sob alegação de que não é a mesma empresa", afirmou.
O colegiado da CVM julgou casos sobre o assunto no ano passado. Em novembro, a autarquia multou em um total de R$ 400 mil em processo referente aos resultados da companhia Habitasul. Foi verificado que o mesmo auditor, Nardon Nasi, era o responsável técnico pelas demonstrações financeiras em mais de uma companhia de auditoria por mais de 15 anos. "Estamos colocando de forma expressa na norma algo que já foi entendido como não adequado pelo colegiado da CVM", destacou o superintendente.
A CVM sugere a manutenção de uma política de educação continuada desde a aprovação no exame de qualificação técnica específico até o registro na autarquia. Também está prevista a implementação de política de educação continuada para componentes de equipes com função de gerência nos trabalhos de auditoria.
"Tudo converge para o mesmo ponto, que é a preservação da independência do profissional. Quanto mais atualizado o profissional, mais independente ele será na execução do trabalho e na opinião que ele vai expressar", disse.
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do Freitas Leite Advogados, João Pedro Nascimento, as modificações serão bem recebidas pelo mercado. "A necessidade de 'dual compliance' com as regras do Brasil e as normas internacionais do IFRS tendem a promover respeitabilidade das opiniões expressadas pelos auditores independentes. A política de educação continuada proposta tende a manter sempre em alto nível o entendimento de assuntos técnicos e conceituais", acrescentou.
Em janeiro, o ofício circular com orientações sobre a atuação dos auditores enfatizou itens que, se descumpridos, podem ser objeto de processos sancionadores. Este tipo de observação não constou pelo menos nos dois documentos anteriores. A Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria (SNC) destacou o programa de revisão externa de qualidade, citando problemas identificados na atuação do auditor-revisor, e a necessidade de cumprir o programa de educação continuada.
Em 2016, entre as acusações dos 13 processos julgados pela autarquia relativos a auditores estavam a falta de relatório circunstanciado, descumprimento na rotatividade de auditores e a falta de ressalva sobre demonstrações financeiras. Em 2015, a autarquia julgou apenas três casos.
"Há uma menor tolerância a desvios, descumprimento da regulação, as penalidades são maiores, eu tenho percebido isso", afirmou o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho. Segundo ele, a tendência é internacional.
A CVM rejeitou nove termos de compromisso para encerrar processos com auditores em 2016, e aceitou quatro. Entre eles, no final do ano, a proposta da Deloitte, relativo à demonstrações financeiras da Gol. A auditoria propôs o pagamento de R$ 5,36 milhões.